domingo, 17 de abril de 2016

Prever o futuro, calcular as tendências do mercado (ou seja, do mundo)

[Nota:vejam isto como um segmento de aula: estamos num mestrado, a aula é um apeadeiro, não a viagem. Essa é feita no cruzamento entre aula, leituras, trabalhos, reflexão, aplicação. E, sim, os exercícios em aula são importantes, mas consomem tempo; em contrapartida, ler aqui este artigo até talvez seja melhor do que em aula...]

     A mim, e Entristece-me que a edição perca o seu lado artesanal. O livro será sempre, para mim, o mano a mano entre um indivíduo e um texto, um diálogo silencioso entre duas cabeças pensantes e originais (únicas) q.b. - é isso que, para mim, significa «livro».
     Entrementes, vieram os extraterrestres. Como nos filmes de FC/terror, os aliens tomaram conta dos nossos corpos, das nossas memórias, da nossa mente. Quase é difícil distinguir o nosso ex-marido de um extraterrestre que tomou o seu corpo, etc.
     Traduzindo: muitos livros que hoje enchem o mercado não preenchem os requisitos de um livro (são mais «produtos» que outra coisa, e seguem uma lógica parecida com a dos outros produtos de consumo. Muita da gente que trabalha na indústria do livro nem sequer gosta de ler!
     Mas é assim, e temos de lidar com isso. Bolsas há de resistência, inclusive nas redes sociais. Veja-se este cartoon onde a adaptação para filme, hoje uma espécie de marca de sucesso de um livro, é vista como uma história de terror que um livro conta aos outros num acampamento à volta da fogueira.

«E então... Depois de lhe arrancarem metade das páginas... 
Fizeram dela um... um filme!»
«Oh, não!»   «Meu Deus, que horror!»

     Cada vez as regras do mercado são aplicadas ao livro, que se imaginava (embora, como Bourdieu observa, não fosse inteiramente verdade) fora desse mundo: o livro pertenceria sobretudo ao plano (elevado) do espírito, mais do que ao sujo (e baixo) mundo material. Ainda hoje há marcas disso, embora eu receie que, cada vez mais, seja uma cauda vestigial, ou a memória fantasma de um membro amputado há muito. Onde vemos isso? No meu duplamente colega José Rodrigues dos Santos, que se sente mais prestigiado como «escritor» que como «pivô de televisão». Nas pessoas que dizem que «gostam é de ler» em vez de «ver televisão». No modo como o livro ainda é um bem de prestígio. 
     Eu não gosto de aplicar modelos de análise estatísticos ao livro, mas cada vez mais os grandes grupos funcionam assim - ou, quando não funcionam, gostam de imaginar que funcionam assim, ou gostariam de funcionar assim - e têm isso como modelo no futuro próximo. 
     A Amazon, que distribui livros por computador, tem a vida facilitada: ela é uma base de dados. (A Wook - ligada à Porto Editora - também para lá caminha.) Um algoritmo interpreta as minhas compras e, imediatamente, me traça (vai traçando) um perfil a partir das minhas compras online. Quando compro um livro já me aparecem sugestões em função das minhas comprar anteriores. É um bocadinho arrepiante. É o admirável mundo novo:


     Não me quero alongar mais. Acho que esta é matéria interessante - e premente. Por um lado, a memória do mundo artesanal e arcádico não o traz de volta (nem sabemos se o queremos de volta: um editor de cachimbo, uma livraria a cheirar a fumo, um ambiente pretensioso e tendencialmente masculino), por outro lado qual a alegria de trabalhar o livro num mundo onde já não haja leitores, só consumidores, já não haja «indivíduo», apenas «tendências de mercado»?
     Veja aqui este artigo sobre a copa do mundo de má memória tanto para Brasil como para Portugal... 



Sem comentários:

Enviar um comentário